Pierre Aubenque (1929-2020) a été secrétaire général de l'Institut International de philosophie de 1988 à 2010,
et a grandement contribué, à la suite de Raymond Klibansky et Henri Dumery , au développement de l'IIP.
on trouvera ici un hommage à ce maître par Antonio Martins ( Coimbra) .
https://impactum-journals.uc.pt/rfc/article/view/9614
et i-dessous
Revista Filosófica de Coimbra — n.o 59 (2021)
PIERRE AUBENQUE (1929‑ 2020)
IN MEMORIAM
Pierre Aubenque morreu em 23 de fevereiro de 2020, em Versailles, com a idade de 90 anos. Nasceu em julho de 1929, em Isle‑ Jourdain, 35 km a oeste de Toulouse.
Entra na École Normale Supérieure, da rue d’Ulm, que frequentou entre 1947 e 1950. No mesmo ano de 1950, ficou em primeiro lugar no concurso para a “agrégation” de filosofia. Entre 1951 e 1955, inicia a sua carreira de investigação como bolseiro da Fundação Thiers. Em 1956 começa o seu percurso académico na universidade francesa: em Montpellier (1955‑1960), Besançon (1960‑1964), e Aix‑en‑Provence (1964‑1966). Em 1962 obtém o Doutoramento em Letras com as duas monografias que o vão tornar conhecido em todo o mundo como um eminente especialista em Aristóteles (Le Problème de l’Être chez Aristote. Essai sur la problématique aristotélicienne e La Prudence chez Aristote). Entre 1966 e 1969 ensinou na Universidade de Hamburgo onde desempenhou cargos de direção na secção de filosofia (1968‑1969). Em 1969 toma posse de uma cátedra de filosofia na Sorbonne, Paris‑IV, lugar que ocupa até 1990, ano em que se retira da universidade francesa. Depois da reunificação da Alemanha, ensinou na Universidade de Leipzig (1992‑1997) que o agraciou com um doutoramento honoris causa em junho de 1998. No ano académico de 1997‑1998 ocupou a cátedra de metafísica Étienne Gilson (com o tema Será preciso desconstruir a metafísica? publicado em 2009 na editora PUF). Lecionou ainda na European Graduate School (Saas‑Fee, Suíça) em 2002. Sinal do prestígio e reconhecimento da comunidade científica internacional são os 17 ciclos de lições que proferiu, como professor visitante, em todos os continentes (com a exceção da Austrália) e os doutoramentos honoris causa das Universidades de Laval, Canadá (2000) e de Santiago de Compostela (1998) além do já referido da Universidade de Leipzig.
Para além das suas responsabilidades como professor de filosofia antiga na Universidade de Paris‑ Sorbonne desde 1970 até 1990, destaca se também a importante ação como diretor do Centro Léon Robin (1973‑1992), cargo anteriormente ocupado por Pierre‑Maxime Schuhl. A qualidade e o prestigio da sua direção muito contribuíram para o desenvolvimento e aprofundamento da investigação no campo da filosofia antiga e da história da filosofia em geral como o atestam as publicações por ele editadas que correspondem aos principais seminários de investigação sobre Aristóteles, sobre o que resta do Poema de Parménides, o Sofista de Platão, os tratados de Plotino sobre as categorias. Foi ainda diretor da revista Les Études philosophiques desde 1970 até 1999 e membro do Institut International de Philosophie do qual foi secretário geral (1988 a 2010). Foi nesta qualidade que colaborou ativamente na preparação dos Entretiens do IIP que se realizaram na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra a 9‑ -14 de setembro de 2009 sobre o tema Cause, Knowledge and Responsibility. Colaborou ainda com o Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra no seminário internacional que o IEF organizou, por ocasião do 4º centenário da publicação das Disputationes Metaphysicae, em colaboração com o Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em março de 1998, com uma conferência sobre “Suarez et l’avénement du concept d´être”.
As suas publicações mais influentes foram as suas duas teses adquirindo um destaque especial a monografia sobre a metafísica de Aristóteles, publicada em 1962 e traduzida para várias línguas1. A segunda tese, sobre a phronesis aristotélica foi a que teve mais lenta receção a nível internacional, mas a primeira a ser traduzida para língua portuguesa2.
Pierre Aubenque apresentou, pela primeira vez, as grandes linhas da sua nova interpretação da metafísica de Aristóteles numa conferência que proferiu num encontro da Sociedade Kantiana de Berlim, em 5 de junho de 1959, na Universidade Técnica (TU) de Berlim, com o título “Aristoteles und das Problem der Metaphysik” e cujo texto foi publicado pela revista Zeitschrift für philosophische Forschung, no seu número de julho‑ -setembro de 1961, escassos meses antes da publicação de Le problème de l’être chez Aristote3. Curiosamente, no mesmo ano, a revista Philosophy Today publica uma tradução desse artigo de Pierre Aubenque: “Aristotle and the Problem of Metaphysics”4.
A monografia de Pierre Aubenque sobre O problema do ser em Aristóteles abriu novos caminhos, suscitou vivas discussões e contribuiu decisiva1
Pierre Aubenque, O problema do ser em Aristóteles (São Paulo: Paulus, 2012).
2 Pierre Aubenque, A Prudência em Aristóteles (São Paulo: Discurso Editorial, 2003).
3 Pierre Aubenque, Le problème de l’être chez Aristote, (Paris, PUF, 1962).
4 Pierre Aubenque, “Aristotle and the Problem of Metaphysics”, in Philosophy Today,
6 (2) (1962), 75‑84. DOI: https://doi.org/10.5840/philtoday1962629
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Notícia
Revista Filosófica de Coimbra—n.o 59 (2021) pp. 187-190
mente para a renovação dos estudos aristotélicos e da filosofia em diálogo crítico com o texto do Estagirita. Para aqueles que pensam estar o seu texto demasiado condicionado pela influência de Heidegger e, por isso, menos interessante ou útil para leitores de outra idiossincrasia filosófica cito um passo do início de um artigo de Terence Irwin sobre “o carácter aporético da Metafísica de Aristóteles”:
Um dos numerosos méritos do livro de Pierre Aubenque sobre o problema do ser em Aristóteles é o de ter posto em relevo as questões que concernem às relações entre o método de Aristóteles e sua doutrina. Sobre esta questão, penso que as teses de Aubenque são mais estimulantes do que tudo o que pude conhecer em língua inglesa5.
Aubenque continuou a explorar os diversos caminhos que se entrecruzam na história do pensamento metafísico em numerosos trabalhos que tinham, de uma maneira ou outra, como referência Aristóteles. Desse labor de décadas dão testemunho os dois volumes de ensaios com o título Problèmes aristotéliciens. O primeiro dedicado à filosofia teórica6. O segundo reúne os textos mais importantes de Aubenque sobre a filosofia prática. A abertura de pontes e vias de diálogo da ética aristotélica com o presente, iniciada na sua segunda dissertação, é prolongada em numerosos textos que aprofundam a sua reflexão sobre a phronesis aristotélica bem como questões ligadas à coerência e articulação da ética aristotélica e sua relação (in)atual com a reflexão política e ética mais recente. Dos textos reunidos neste segundo volume7, citemos dois, a título meramente exemplificativo, do seu alcance: “Aristote et la conception délibérative de la démocratie” e “Un modèle aristotélicien pour l’éco‑éthique”.
Pierre Aubenque foi também importante para muitas gerações de estudantes de filosofia antiga que deram os primeiros passos na leitura de Aristóteles e das grandes correntes da filosofia do Helenismo lendo os textos introdutórios que publicou em duas Histórias da Filosofia que fizeram época nos anos 70 do século passado. O texto sobre “Aristote et le Lycée” na Encyclopédie de la Pléiade: Histoire de la Philosophie, vol. 1, (Paris: Gallimard, 1969): 720‑790. E sobre Epicuro, estoicismo, cepticismo e Plotino no
5 Original na RMM 95, 1990, 221; cito a partir da tradução do artigo de T. Irwin, publicada em M. Zingano, coord., Sobre a Metafísica de Aristóteles, São Paulo: Odysseus, 2005, 341.
6 Pierre Aubenque, Problèmes aristotéliciens, 1. Philosophie théorique ((Paris: Vrin, 2009).
7 Pierre Aubenque, Problèmes aristotéliciens, 2. Philosophie pratique (Paris: Vrin, 2011).
190 António Manuel Martins
Revista Filosófica de Coimbra pp. 187-190 — n.o 59 (2021)
primeiro volume da nova História da Filosofia, dirigida por F. Chatelet: La Philosophie Paienne : Du 6e Siècle Avant J.C Au 3e Siècle Après J.C8
Em sua homenagem foram publicadas três obras: sob a coordenação de Jean‑François Courtine e Rémi Brague, Herméneutique et ontologie (Paris: PUF, 1990); uma segunda, com mais de 700 páginas, coordenada por Ángel Álvarez e Rafael Martínez, En torno a Aristóteles. Homenaje al Profesor Pierre Aubenque (Universidad de Santiago de Compostela, 1998) e a última coordenada por Néstor Luis Cordero, Ontologie et Dialogue (Paris: Vrin, 2000).
Com a morte de Pierre Aubenque perde a comunidade filosófica um mestre na arte de ler e repensar os textos da tradição e um modelo de diálogo exigente, crítico e tolerante. Permanece a possibilidade de continuar a aprender com a (re)leitura dos seus textos.
António Manuel Martins
Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras
Unidade I&D IEF